segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

"Gostar de estar vivo dói"




Minha ausência não é injustificada. Além do acúmulo de coisas a fazer no final do ano, não consegui organizar as idéias que passaram a povoar minha cabeça. Parte dessas idéias foi alimentada em mim pela leitura de A paixão segundo G.H., romance de Clarice Lispector. Não cabe à minha ignorância tentar explicar ou dar uma idéia que seja do que é o livro, mas, em termos bem genéricos (põe genérico nisso), fala do humano. O romance tem inúmeras coisas que dão o que pensar, propõe questões complexas (a própria autora adverte o leitor, logo no início, para que não leia com a alma despreparada - como se houvesse preparo possível para a experiência que o livro nos leva!), mas, enfim, o que mais me chamou a atenção e mexeu comigo de maneira muito profunda é o problema da necessidade do sofrimento humano. Deus do céu, é muita coisa logo de cara, depois de meses longe!, vamos para outro parágrafo.
A questão é, pelo menos a princípio, a seguinte: num mundo em que somos condicionados desde que nascemos a procurar o prazer, a felicidade (e a nossa luta por todos os séculos tem sido essa, mesmo em tempos remotos em que outras coisas como "onde vou encontrar comida" ocupavam
muito nossas preocupações), somos conduzidos e conduzimos nossas vidas e as alheias pelo sofrimento. Sim, exatamente aquilo de que fugimos (ou acreditamos que fugimos) é o que move a nossa vida e a sociedade desde sempre. O que a Clarice fala em seu romance é que traz a grande surpresa (ou não, se você já percebeu isso antes): a felicidade é solidão. Quando sofremos contamos para alguém e esse alguém, de alguma forma, se identifica conosco: o sofrimento cria conexões entre as pessoas. Quando estamos felizes o sentimento é tão particular, esquisito e indescritível que não conseguimos nos conectar com as pessoas, porque a maioria delas não está sentindo aquilo. Mas sofrimento todos temos, em algum nível. E isso é um consolo, pensando de uma maneira diferente, porque isso faz com que não nos sintamos sozinhos no mundo. Esse sentimento é, talvez, o maior motivo de crise do homem, o que faz, quem sabe, com que a luta pela felicidade seja, na verdade, um objetivo secundário: o que o homem mais quer é não estar sozinho. Mesmo as pessoas que dizem apreciar a solidão talvez sintam isso porque elas sabem que não são as únicas, e esse sentimento compartilhado, mesmo inconscientemente, traz conforto e uma espécie de "companhia".
Estou me afundando num texto obscuro e complicado, mesmo eu levando meses para conseguir escrever isso vejo que ainda é um pensamento muito frágil e sem contorno. Mas garanto que não é algo sem fundamento; estudiosos já disseram, muito melhor do que eu, de que como o sofrimento é necess
ário para o desenvolvimento humano: que lindas obras de arte não teríamos se não fosse pelo sofrimento? A dor nos leva a querer exprimi-la de alguma forma, até mesmo com a própria dor. A dor me leva a escrever todas essas coisas, mesmo que eu não saiba exatamente o que me dói - e o sentimento de não saber machuca, confunde, desespera: é como ter sede e não saber onde está a água, ou qual é a água que precisamos.

Não aguento mais escrever agora. "Não, cansaço não é... É eu estar existindo E também o mundo, Com tudo aquilo que contém, Como tudo aquilo que nele se desdobra" (Álvaro de Campos).