segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Fora da utopia


Depois de tantos dias num aparente abandono, quero voltar a refletir sobre algumas idéias que ficaram desses textos.
Temos alguns assuntos pendentes, não é mesmo, leitor inexistente, rs? Se estou certa (tive preguiça de consultar meu próprio blog), tinha prometido falar sobre o problema intelectual (acho que a palavra que usei anteriormente foi "luz" intelectual, bem se vê como a produção dos meus textos depende muito do meu humor e do meu dia, como eu já havia avisado nas minhas notas iniciais, rs).
Mas falo apenas pelo efeito cômico (incerto), meu humor e meu dia estão bons, retomemos "luz". (Estive lendo Machado de Assis esses dias, vou aproveitar a influência e parar de entediar o leitor: vamos
direto ao ponto).
Desde que comec
ei a faculdade de Letras (para que percebam que fazer Letras é muito diferente de escrever bem, rs), tenho estado num conflito mais ou menos constante: como filtrar os conhecimentos (porque muitas vezes são apenas dados, informações) e buscar, depois desse processo, o que é bom? Mais: como usar esse bem? Como evitar que nos tornemos "avarentos intelectuais"? (não sei o porquê das aspas, as palavras são minhas). É fato que parte do idealismo pré-ambiente acadêmico cai por terra, é difícil manter a pureza de princípios perante a realidade. Mas estou falando de um intelectualismo que se supõe auto-suficiente, que se fecha em sua concha de leituras, idéias, etc., em prol de um aprimoramento egoístico. É dar um passo além da conquista individual da inteligência em direção a uma condição mais sábia, portanto mais prática. Quero dizer, fora da utopia também é possível a intelectualidade compartilhada. Não vou dar uma fórmula para isso, acho que cada um, dentro de sua evolução mental e sensível, tem seus próprios recursos para tornar essa experiência um pouco mais conjugada com o outro.
O texto está pedante e enfadonho, eu sei, entendo perfeitamente se você preferiu ir ler as tirinhas do Geraldo, ou qualquer coisa mais interessante do que isso (o que não é difícil, convenhamos). Mas às vezes é preciso ser chato e falar um pouco dessa outra luz, que me parece tão difícil de tirar debaixo da mesa. Dá pena ver tanta coisa boa empoeirada, rangendo de tant
o tempo fora de uso. De qualquer forma, paremos por aqui. Minha falta de habilidade para conciliar o pensamento intelectual com algo que soe mais legal é reflexo desse conflito que mencionei. Ser intelecutal dói, rs, já diria Aline Dorel.



Ah, mas se eu não consigo fazer algo divertido, com certeza outros conseguem! Que bom que existem pessoas à nossa frente, tornando nosso caminho mais fácil!
Para mostrar que não é ilusão querer um pacote completo (graça, inteligência, humanidade, etc.), recomendo a leitura de Calvin&Haroldo e, claro, Mafalda:
* http://depositodocalvin.blogspot.com/
* http://clubedamafalda.blogspot.com/

Por hoje é só, pessoal!

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

"Precisas mudar de vida"

"Não conhecemos sua cabeça inaudita
Onde as pupilas amadureciam. Mas
Seu torso brilha ainda como um candelabro
No qual o seu olhar, sobre si mesmo voltado

Detém-se e brilha. Do contrário não poderia
Seu mamilo cegar-te e nem à leve curva
Dos rins poderia chegar um sorriso
Até aquele centro, donde o sexo pendia.

De outro modo erguer-se-ia esta pedra breve e mutilada
Sob a queda translúcida dos ombros.
E não tremeria assi
m, como pele selvagem.

E nem explodiria para além de todas as fronteiras

Tal como uma estrela. Pois nela não há lugar
Que não te mire: precisas mudar de vida."

RAINER MARIA RILKE, O torso arcaico de Apolo


Precisas mudar de vida. Poucas palavras tiveram tanto efeito em mim como estas. Agora, pensando nisso e escutando "El tiempo pasa", de Mercedes Sosa, percebo que talvez seja porque sempre tive resistência a mudanças. Quer dizer, sei que muitas vezes sou eu mesma que estou procurando pela mudança, mas é muito conflituoso o processo de adaptação ao novo estado. Acho que sou muito nostálgica. Isso é intensificado pelo hábito de associar músicas, filmes, livros etc. ao que está acontecendo na minha vida: sempre que entro em contato com essas músicas, filmes e livros eu entro em contato com aquele momento. E fico triste, com saudade. Mesmo que o momento não tenha sido bom, tenho saudade do eu que ficou naquele espaço. Quando eu conheci esse poema do Rilke foi um estrago e tanto. Porque eu entendi, mais do que nunca, que a vida (assim como os relacionamentos - falarei disso outro dia) é como água: precisa estar em movimento, senão estagna e aparece doenças. Mas é tão difícil movimentá-la! Parece que cada braçada contra a correnteza leva embora um pouco do que somos.
Ah, talvez eu esteja sendo dramática... porque sei que, no fundo, é assim que se forma verdadeiramente o que se é; essas perdas também são ganhos, acréscimos. Acho que o meu problema é ter lido Proust, rs. Ops, quer dizer, não li Proust, estou no terceiro volume (com muita luta! rs). Mas o que eu quero dizer é que, assim como "Marcelzinho" (rs), vivo num processo de rememoração que me obriga a pensar no sentido da vida, que me revela a força de pequenos detalhes, de coisas que não percebemos e que, lá na frente, formam um conjunto poderoso que molda o nosso ser. Não vou reduzir sua obra a isso, mas é com essa idéia que eu quero ficar. Às vezes esquecemos que nossa vida é feita de dias, unidades tão pequenas mas com tantas possibilidades! As mudanças que redirecionam nosso caminho surgem nessas unidadezinhas que desprezamos. Precisas mudar de vida... Parece uma idéia forte demais. No entanto, pode vir de algo tão pequeno... Tenho a impressão que esperamos um grande acontecimento para dar esse passo. Mas se pensarmos como nossa vida se transforma num espaço tão pequeno de um ano (que nada mais é do que alguns dias), parece que não é no tempo que devemos buscar esse chamado. O tempo é apenas uma abstração em que nos permitimos acontecer, mas os agentes da mudança são concretos. Sabe quando acontece uma determinada coisa conosco e começamos a levantar aquelas hipóteses divertidas: "e se aquilo não tivesse acontecido?", "e se eu não estivesse naquele lugar?" etc.? Isso só mostra quão concretas são essas coisas, o poder que elas têm - e que ignoramos. Precisas mudar de vida... Pode estar acontecendo agora e nem percebemos. Engraçado como mudamos o tempo todo: comecei o texto querendo falar de coisas grandiosas e fui percebendo que as pequenas têm o mesmo poder - talvez porque sejam mais comuns - e que na expectativa desse ponto sensível se revelar estamos perdendo a dimensão de outros pontos - está certo, mais invisíveis - que nos levem a esse lugar.

Acabo de escrever isso e me pergunto: serão mesmo invisíveis ou estaremos inebriados pela visão de Apolo?...



* Hoje eu gostaria de sugerir um filme - que, dessa vez, tem tudo a ver com o que eu f alei, rs: A Outra, de Woody Allen (aliás, é o meu prefiro dele)

* Ah, a "leitura especial" do dia? Um pouco mais de Rilke, quem sabe...


* Para não ficar denso demais, outro filme do Allen: Melinda e Melinda, para tentar saber se, afinal, a vida é cômica ou trágica (não que dê para saber, mas vale a pena pensar a respeito... e vale a pena ver o filme!).

sábado, 4 de setembro de 2010

Só para variar...


Como é final de semana (e feriado), vamos dar um tempo com esses textos chatos e fazer coisas melhores, tudo bem?
Sugiro aqui a leitura dos blogs de alguns amigos - um blog não tem nada a ver com o outro, isso é o mais divertido, rs - e que assistam alguns filmes legais:

1) http://jocaebenito.blogspot.com Do meu amigo-"cunhado" Geraldo;
2) http://magnumborini.blogspot.com Do meu amigo-ex-cunhado Magnum, rs;
3) http://mickken.blogspot.com Do meu amigo "moron" Diogo, rs;
4) http://www.mistervecchia.blogspot.com Do meu amigo londrino Nan, Renan, whatever, rs.

Nem vou fazer mais propaganda, os blogs já falam por seus donos. Vale a pena conferir.

5) Os filmes:

- Pequena Miss Sunshine;
- Mais estranho que a ficção;
- Adaptação;
- Manhattan;
- Melhor é impossível

Sim, porque nos Estados Unidos também se fazem bons filmes!
Mas já que é feriado da Independência, se alguém sentir falta de um brasileiro, recomendo o fantástico "Cinema, Aspirinas e Urubus".

Até semana que vem!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Luz e Treva (mas não é tão sério assim...)


Hoje foi muito difícil chegar na faculdade. Problemas no metrô. Pensei: "ah, eu falei aquelas coisas no blog, mas assim também não dá! Vou apagar aquele texto!". Acabei rindo da situação (ainda é o melhor remédio) e me lembrei de um versículo que li ontem: "Vê, pois, que a luz que há em ti não seja treva".
Cada um tem a sua luz: alguns são calmos, outros pacientes, tem os caridosos, os alegres, etc. Tem muitas boas qualidades espalhadas por aí; elas estão nos ônibus, nas ruas, no trabalho, na faculdade, na igreja, no apartamento... Mas por que, então, parece que é tão difícil de enxergá-las? Por que, mesmo quando as encontramos, parecem tão mínimas que não têm força suficiente para se destacar? Conversando com a minha mãe, ela me lembrou
de um outro versículo: "Não coloque sua luz debaixo da mesa". Os calmos, os pacientes, os caridosos, os alegres não gostam de ser isso. É fácil ser calmo quando você não está num metrô lotado, fácil ser paciente quando não se está numa fila de banco, muito simples fazer o bem quando você não tem outros planos, e qualquer um pode ser alegre não tendo dificuldades. É preciso manter todas essas virtudes mesmo quando a situação não favorece. Isso é colocar a luz em cima da mesa, como se fosse um banquete, oferecendo alimento para o mundo. Não acho que o mundo está desnutrido, mas, sim, precisando de uma "reeducação alimentar" (isso está na moda, não? rs). Quando nossa luz só ilumina o dia que já está claro, não faz muita diferença. É preciso levá-la onde não há. Para que seja luz, não treva.



* Não sei bem o porquê, mas tudo isso me lembrou de um conto, que gostaria de sugerir como uma leitura especial para hoje (acredito que todos os dias precisamos ler algo especial - faz parte da nossa reeducação alimentar, rs). O conto é
Auréola cinzenta, do escritor húngaro Dezsö Kosztolányi. Infelizmente, não encontrei na internet; tentarei escanear o texto que tenho em casa e colocá-lo aqui.


** Outra alternativa é ler algo que nos faça rir, e isso é mais fácil de
encontrar (embora queiramos achar que não: gostamos de sofrer um pouquinho, não nos permitimos, muitas vezes, dar risada - "Ah, agora não, estou muito ocupado com o meu problema!" e bla bla bla). Sendo assim, sugiro Millôr Fernandes e Ítalo Calvino.

-
http://www.releituras.com/millor_discurso.asp (este é só um exemplo, neste site - no menu à esquerda - tem outros)
- Do Calvino, sugiro um livro:
Se um viajante numa noite de inverno (Companhia das Letras). Deixo aqui o link do primeiro capítulo (só para dar mais vontade de ler o resto):
http://www.casainabitada.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=66:se-um-viajante-numa-noite-de-inverno-italo-calvino&catid=6:discursos-de-outrem&Itemid=6


*** Sobre o texto de hoje: faltou falar de uma outra luz - a luz intelectual. Mas preferi deixar para um texto específico (que em breve farei).

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Vivência e experiência


Lembram da historinha das garimpeiras africanas que comentei no último texto? Hoje, conversando a respeito com o meu namorado, resolvi ampliar um pouco o comentário, mas sob uma perspectiva diferente.
Quando ficamos sabendo de histórias assim, geralmente isso tem um impacto em nós, paramos para pensar, nos sensibilizamos, fazemos uma breve reflexão sobre como existe sofrimento no mundo e como nós deveríamos dar mais valor para a nossa vida sabendo disso etc. Contudo, esse momento dura muito pouco, o efeito do remédio é rápido demais, e cá estamos novamente achando que tudo é ruim demais. E foi nessa conversa com meu namorado que percebi que isso acontece porque a realidade dessas mulheres não faz parte integralmente da nossa realidade, não sabemos de fato que experiência é essa, e são as experiências que constróem o nosso caráter e, consequentemente, influem em nossas ações e comportamentos. Parece que precisamos passar pela situação, ter a vivência daquilo para que alcance uma transformação efetiva em nós. Isso me faz lembrar de um poema do Drummond, "Inocentes do Leblon":

"(...) Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam nas costas, e esquecem."

Não que nós ignoremos (alguma coisa, claro, sempre passa despercebida - é o nosso olhar bloqueado que se sobrepõe ao olhar mais lúcido; outra hora falarei disso...), mas parece que temos uma facilidade para esquecer. Não que isso seja pura negligência, mas exatamente por causa da questão da experiência. Seria ingenuidade demais desejar um outro meio de transformação que não fosse passar pela dificuldade, pela dor?



Ah, gostaria de sugerir uma leitura. Não é exatamente sobre isso que eu falei aqui, mas faz pensar na importância de olhar para o outro, de tentar não esquecer o que acontece na realidade (que é nossa também). Trata-se de um conto muito especial para mim: Angústia, de Anton Tchekhov. Mas sugiro preparar um pouco o espírito antes, porque o impacto que causa não se remedia tão rápido assim...

Deixo o link aqui, mas faz parte do livro "A dama do cachorrinho e outros contos", Editora 34.

http://www.lumiarte.com/luardeoutono/contosrussos/angustia-tchekhov.html

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

"Eu também vou reclamar"

"Mas agora eu também resolvi
Dar uma queixadinha
Porque eu sou um rapaz
Latino-americano
Que também sabe
Se lamentar"



Tenho reparado como gostamos de reclamar. Aliás, este texto é uma reclamação. Reclamo de tanta reclamação de todo o mundo, em toda a parte.
O dia já começa assim. Tudo bem, acordar 5:30 da manhã não é a coisa mais legal do mundo, mas se você levanta e já está estressado parece que o seu dia inteiro não vai ser bom... e você tem culpa disso. Esse "você" sou eu também. Eu me levanto e até tento manter o bom humor, mas é só sair de casa que já começa.
Hoje eu peguei o primeiro ônibus e pronto. É bem assim: pronto. Transporte público é prato cheio para alimentar nossa irritação. Uma senhora sentada na minha frente reclamando de TUDO. Do tempo (certo, o tempo está muito seco): "precisa chover de dar enchente. Tomara que caia o mundo no feriado. Não tô nem aí. Não vou viajar mesmo. Não tô falando de garoa, tô falando de tempestade, enxurrada." Das eleições: Lula isso, Serra aquilo, Dilma, Marina, etc. "O Mercadante prometeu cesta básica durante um ano, deu só um mês", "Quando teve eleição para votar se continuava a República ou voltava pra Monarquia eu votei pela Monarquia. Um cara só mandando e não tem essa palhaçada disso que a gente vive agora, como é mesmo que fala? Democracia, né?". Do ônibus: "Ah, detesto esses ônibus novos. Os motoristas ficam brincando, andam que nem lesma".
Tentei me distrair, tentei não ouvir, tentei ler. Nada.
Cheguei no metrô. Cheio. Fico nervosa porque não aceito esse tipo de coisa às 6:30 da manhã. Mas eu sei que podia ser pior. Só que na hora eu não penso. É muito ruim perceber que, na prática, a gente quase nunca age como pensa de verdade.
Não vou continuar narrando meu dia. Todo o mundo sabe do que estou falando, a gente vive desse jeito, reclamando, sem fazer nada a respeito. Você lê, ouve, vê algo e se anima: "poxa, eu podia mudar isso ou aquilo na minha vida. Seria bom fazer algo diferente." Certo, você vai e procura alguma coisa. Daqui a pouco incorpora nessa rotina e nem percebe o quanto aquilo é bom para você. E as reclamações persistem.
Às vezes, tento me lembrar de uma história que minha irmã contou (não lembro bem dos detalhes): um grupo de garimpeiras em algum país africano trabalhava 16 horas por dia nas piores condições para ganhar uma banana por dia. Uma banana por dia. Trabalhando com alegria. Quando teve o tsunami na Ásia, elas ficaram sabendo e mandaram as bananas para as vítimas. Nessas horas, o metrô cheio, a fila no banco, o calor excessivo, a lerdeza das pessoas não significam nada. A vida é muito melhor do que a gente pensa. Mas parece que precisamos encontrar motivos para que não seja. Ou pode ser que tenhamos mesmo motivos porém gostamos de valorizá-los.
O mau humor contagia. E penso: é melhor eu parar para pensar antes de sair reclamando de tudo para todos porque posso contaminar uma pessoa que estava bem. Sério, é muito chato tudo isso. Tem muita gente chata, não há mais vaga. Está na hora de procurar outra ocupação.


"Existe é homem humano"


Ultimamente tenho conversado muito com o meu namorado sobre religião. Apesar das diferentes visões, tentamos sempre encontrar um ponto de equilíbrio e, no fim, acabamos até rindo.
Lembro de uma professora de filosofia que me disse uma vez: "Muitos falam: 'Política, futebol e religião não se discutem'. Como não discutir sobre coisas que interferem tanto na vida das pessoas?". Creio que ela tem razão. Mas por que as discussões são sempre tão negativas, tão temperamentais? Agora pensando talvez seja porque a relação que temos com essas coisas é negativa e temperamental
(generalizando, claro).
Eu tenho uma amiga de uma religião que, embora cristã como eu, é totalmente diferente d
a minha. É engraçado porque ela inclusive pensava, antes de me conhecer, que jamais poderia ser minha amiga por causa disso. Como todos sabem, os espíritas têm pacto com o demônio, logo nosso círculo de relacionamentos fica bem restrito... (não sei se é claro que é uma piada, o tom dessas palavras na minha mente pode não ser o mesmo na telinha do computador...). Enfim, somos grandes amigas e temos ótimas conversas a respeito de qualquer coisa, inclusive religião. Ela acha interessante a minha interpretação e eu acho a dela igualmente. Por quê? Porque os relacionamentos humanos são muito mais importantes do que opiniões. Sim, religião tem muito a ver com opinião, só que me parece que interfere um pouco mais nas nossas ações e comportamentos do que opiniões do tipo "eu acho que o homem não foi pra Lua", "o sistema de transporte público é ruim" etc.; justamente porque as religiões oferecem um guia de conduta a partir das interpretações que fazem.
Acho o termo "interp
retação" fundamental quando se fala disso. Os valores que uma determinada doutrina prega são tirados de textos. Textos geram visões diferentes. Meu namorado e eu estamos lendo Angústia, do Graciliano Ramos. Ele me mostrou um trecho que achou engraçado. Eu, quando li, achei triste. Tudo bem, a literatura não é um código moral. Mas sabemos que, tanto quanto os livros sagrados, é produto do homem. Mesmo que sejam inspirados por Deus ou por outra divindade, é fato que passaram, ao longo do tempo, por intervenções humanas. Não vou entrar na polêmica dos sacerdotes que supostamente tiraram partes ou escreveram outras, mas fico apenas na questão da tradução. É uma coisa muito complexa, que depende muito da cultura, da época, da pesquisa que o tradutor tenha que fazer. Logo, visto que os textos de onde se tiram as bases para a nossa vida sofrem inúmeros processos que os transformam, não tem como dizer "Isso é A verdade absoluta, tudo que for diferente disso é errado e condenável".
As religiões criam um complexo de culpa muito grande e muito ruim em nós, de modo geral. Já convivemos com tantas infelicidades, com tantos problemas, e o lugar onde deveríamos nos refugiar aponta o dedo na nossa cara e fala: "Você vai para o inferno. Você vai pagar. Deus castiga". Acho impressionante como as pessoas advinham o que Deus pensa. Você lê um trecho da Bíblia e INTERPRETA diferente da sua religião (ou de outra) e pronto, entra para o grupo dos hereges. Enquanto eu imagino que Deus olha para você e pensa: "Que bom que você aproveita sua inteligência, sua capacidade mental para questionar, para imaginar, para pensar".
Isso nos identifica como indivíduos e mostra como somos ricos. Isso, para mim, é a evolução que Deus espera de nós. Sem cobranças, sem culpas, sem infernos. Aproveitar o que há de bom nas coisas (inclusive e especialmente nas religiões) e transformar isso em algo melhor: em atitudes. Não acredita em nada? Tudo bem, não precisa. Até é melhor assim do que acreditar à toa, sem fazer nada. Mas não limitar nossa vida ao que pensamos ou deixamos de pensar já é acreditar em algo: que a vida é muito mais do que isso.


Outro dia volto a falar desse assunto, um pouco melhor, mais imparcial, mais refletidamente.
Mas hoje é isso o que eu queria falar.

Notas...


1. Este blog não tem objetivos claros, não fala de temas específicos, não tem pretensões muito grandes, assim não nos iludimos e tanto melhor... (esse "tanto melhor" eu roubei do Machado de Assis, acho que tem um tom muito legal e não, não quero "pagar de intelectual", apenas de chata...o que pode significar a mesma coisa, rs);
2. Aqui vou falar do que eu estiver com vontade e tiver capacidade de reproduzir... Digo isso porque muitas vezes tenho vontade de falar algo mas não tenho essa capacidade, então o que estiver aqui é o que eu consigo fazer. Claro, talvez eu me subestime um pouco mas isso é uma questão para o meu analista (que não tenho, rs). Aliás, aproveito aqu
i para fazer uma observação: fazemos terapia para nos descobrirmos, para resolver pendências emocionais etc., mas é incrível como muitas vezes os terapeutas nos dizem coisas que nossa mãe, nosso irmão, nosso amigo já nos disseram mas que, quando ouvimos do Terapeuta pensamos "Puxa, é isso mesmo!". Não desmerecendo o trabalho deles, claro, não posso falar nada até porque nunca fui em um, e conheço pessoas que se beneficiaram muito disso, mas é curioso como encaramos as coisas diferentemente dependendo de quem, onde, como, quando etc. Era melhor falar disso numa postagem específica do que estender a nota desse jeito mas... whatever works.
3. O título do blog: Whatever Works é inspirado no último filme do Woody Allen (quer dizer, o último lançado no Brasil) e que tem uma mensagem (sim, mensagem, Allen já disse que não se i
mporta de colocar uma "moral" no final dos filmes) que é mais ou menos assim (do jeito que eu vejo): você pode dizer isso ou aquilo, achar que pensa de uma maneira ou de outra, mas no fim... tanto faz, nossos comportamentos são um tanto aleatórios e confusos, mesmo quando motivados, acabamos fazendo, dizendo, querendo coisas que nunca imaginamos fazer, dizer, querer. Para entender melhor, assista o filme ("Tudo pode dar certo") e...sei lá!;
4. Ah, o endereço
do blog: "Não fala boca" é o jeito que meu irmão, quando era criança, falava "Cala a boca!". E era sempre pra minha irmã. Acho engraçado porque me parece um jeito muito desesperado de pedir tal coisa, gerando um efeito dramático. Crianças podem ser muito legais.